terça-feira, 10 de março de 2009

Meu destino gira nos meus dedos

"Não sei por que razão o mundo se inquieta tanto quando estamos sózinhos... Talvez não saiba que esgotamos os olhos no rigor dos espelhos e que, por isso, não somos capazes de traçar um caminho senão para o evitarmos... Não sei por que se aflige tanto o mundo se ficamos sózinhos... Talvez ignore que nós não somos mar de nenhuma praia, que escolhemos poupar as falésias das cicatrizes das ondas... e tudo para não aprendermos o verdadeiro nome das feridas!"
[Maria Rosário Pedreira]
Bonjour
"Por que hei de agradar o rude sofrimento e mais rude torná-lo, na desesperança? Por que proclamar a tristeza inútil diante das coisas que secretamente e melhor compreendo? Não falarei do desamparo que finamente aperta os dedos na garganta. Não citarei o sentimento peculiar aos que têm propensão para o desengano e, mais do que nunca, ao crepúsculo, sentem-se traídos e ultrajados sem motivo. Não mais me referirei a estados de alma que nada contêm além de um vazio cinzento e interminável, um abismo de sombra e de abstrato,onde a tristeza rumina o seu cadáver. Todos os gestos seriam inúteis. Nada salva e tudo nos perde e atraiçoa. O temor sustenta minhas interrogações e de repente me sinto só, perdidamente só e anterior a todos, como se ninguém mais houvesse. Tudo desaparece na refração das águas da memória. Vejo as imagens deformadas, mas que persistem, fantasmas íntimos. Rio e já não entendo; choro e me dilacero lentamente no tempo em que tudo está pesadamente mergulhado. Não grito porque o hábito se forma e o pudor defende. Conheço e entendo. Algumas vezes adivinho, mas não devasso. O que sabe deve calar-se para não ferir. Se digo, as palavras nada significam senão o prazer de "proferi-las" e achá-las bem achadas, não para que exprimam, mas simples jogo colorido que diverte. Não proporei normas, nem direi o que abomino. Deu-nos Deus a palavra para melhor silenciar. No inarticulado, me descubro um homem, com um nome, certos hábitos, fisionomia, alguns cacoetes e muitas possibilidades. Mas sobretudo vivendo por conta própria. Foi um ato irresponsável confiar-me a mim mesmo. Meu destino gira nos meus dedos. Não me pertenço e nem me encontro. O tormento da lembrança, como cãibra, paralisa os gestos e sobrepõe ao que é aquilo que já foi. Calculadamente percorro o caminho da fatalidade, onde os abismos espreitam e aguardam a imagem quebrada, e cem vezes traída..." [Otto Lara Resende, in "Balanço"]

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